Cidades Sustentáveis: Soluções Baseadas na Natureza

Artigo por, Ana Mesquita, Arquiteta Paisagista e membro da direção da Associação Nacional de Coberturas Verdes (ANCV)


Quando se fala em sustentabilidade, o pensamento comum tende a fixar-se em imagens de painéis solares, carros elétricos ou na prática da reciclagem. Tudo isso é necessário, mas não é suficiente. O que muitas vezes não nos é evidente, talvez porque fomos habituados a separar o natural do urbano, é que não há sustentabilidade possível sem natureza. E, mais do que isso, sem natureza próxima das pessoas. Sustentabilidade urbana não se faz só com tecnologia, faz-se também com raízes, folhas, solos vivos e cursos de água que voltam a correr a céu aberto.

É exatamente isso que nos pede o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11, promovido pelas Nações Unidas: transformar as cidades em espaços inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Um objetivo ambicioso e urgente. Em 2050, mais de dois terços da população mundial viverá em áreas urbanas. E se estas continuarem a ser moldadas como foram nas últimas décadas, dominadas por superfícies impermeáveis, vulneráveis a extremos climáticos e marcadas por desigualdades sociais, estaremos a comprometer, sem hesitação, o bem-estar e a segurança das gerações futuras.

Neste cenário, o caminho são as Soluções Baseadas na Natureza (NbS). Trata-se de uma abordagem alternativa, mais integrada e regeneradora, que contrasta com a visão convencional da engenharia urbana estática: rígida, cara, dependente de manutenção pesada, e que muitas vezes tem conduzido cidades ao limiar da inabitabilidade. As NbS propõem algo aparentemente simples, mas transformador: usar os processos e estruturas da própria natureza para enfrentar os desafios urbanos. Significa pensar a vegetação e a água como infraestruturas funcionais no desenho dos edifícios e planeamento das cidades.

Na prática, isto traduz-se em soluções como coberturas e paredes verdes, que isolam termicamente os edifícios e regulam o escoamento das águas pluviais; parques e jardins urbanos, que combatem as ilhas de calor e devolvem o espaço público às comunidades; charcas e zonas húmidas, que absorvem e retardam os caudais em caso de chuva intensa; ou SUDS (sistemas urbanos de drenagem sustentável), que substituem o betão por soluções que permitem infiltrar a água. Além da componente ambiental, estas soluções têm um impacto direto na justiça social urbana: promovem a saúde pública, fortalecem a coesão comunitária e democratizam o acesso à qualidade de vida.

Este entendimento começa a ganhar força a nível europeu. A aprovação, em 2023, da Nature Restoration Law foi um marco nesse sentido. Esta lei impõe metas vinculativas para a restauração de ecossistemas degradados, também nos contextos urbanos, e responde à alarmante realidade de que mais de 80% dos habitats naturais da UE se encontram em mau estado. Pela primeira vez, é obrigatório restaurar a natureza nas cidades, recuperar solos e reconectar corredores ecológicos. Esta lei enfrenta oposição de setores mais conservadores, mas representa uma mudança clara: reintegrar as zonas urbanas no ciclo ecológico e trazer a natureza de volta a estes espaços.

Algumas cidades europeias têm antecipado este caminho. Roterdão e Copenhaga estão na linha da frente ao implementarem infraestruturas verdes e azuis para lidar com o risco crescente de cheias. Liubliana e Paris apostaram na reconversão de zonas impermeabilizadas em espaços naturais e renaturalizando as margens dos cursos de água. Também em Portugal há sinais positivos. A distinção de Lisboa e Guimarães como Capitais Verdes Europeias, em 2020 e 2026 respetivamente, mostra um compromisso crescente com políticas de mobilidade sustentável, corredores verdes, recuperação de linhas de água e gestão integrada da paisagem urbana. O Parque Central da Asprela, no Porto, é outro exemplo notável: desenhado como espaço público multifuncional, atua também como infraestrutura de retenção de águas pluviais.

Contudo, não nos iludamos: ainda estamos longe de tornar as NbS uma prioridade transversal. Em muitos municípios, estas soluções continuam a ser vistas como “acessórios verdes”, úteis, mas secundários. O urbanismo continua a ser dominado por lógicas imediatistas, centradas no betão e infraestruturas cinzentas. As árvores são plantadas sem espaço, os parques são pensados como elementos de recreio, e não como infraestrutura ecológica. Falta ainda formação técnica especializada, falta vontade política, e falta sobretudo uma mudança de cultura: valorizar a natureza e os serviços que esta (gratuitamente) nos presta.

Como é visível nas cidades portuguesas e como escreveu Maria Dulce Cardoso, “temos aversão ao que é natural e por isso fechamos varandas e cimentamos pátios”. Perdemos a ligação ao natural e é essa reconexão que o ODS 11 nos exige. Uma nova cultura urbana, onde a árvore tem espaço para crescer, o pavimento infiltra e o parque é mais do que lazer: é refúgio de biodiversidade, sala de aula ao ar livre e escudo climático.

Investir na natureza urbana é uma necessidade económica, ecológica e social. Cidades com mais natureza são cidades com menos custos em saúde, menos perdas por cheias, maior coesão social e maior capacidade de adaptação. Não é uma escolha entre natureza e desenvolvimento: sem natureza, não há desenvolvimento sustentável possível.

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