BIM em Portugal: Ensaio sobre a necessidade de reflexão

Enquanto o mundo acelera na digitalização da construção, Portugal ainda está a descobrir o potencial do BIM. É tempo de uma reflexão honesta sobre onde estamos e para onde vamos.

Esta não é a primeira vez que Portugal chega tarde a uma revolução. Tal como o Barroco, ou qualquer outro estilo ou movimento ligado à construção, que chegou a Portugal mais tarde do que no resto da Europa também o BIM encontra em território nacional um ritmo próprio de adoção, nem sempre alinhado com as tendências internacionais.

Com um mercado global de software BIM avaliado em 9,665 milhões de dólares em 2021, esperado a crescer numa taxa composta anual de 16,33%, atingindo 23,950 milhões de dólares em 2027, a metodologia BIM deixou de ser uma tendência para se tornar uma realidade económica incontornável.

Metodologia BIM no Mundo: Uma corrida em que chegámos novamente atrasados

Os números são reveladores. No Reino Unido, estatísticas do NBS mostram que em 2020, 73% das empresas estavam familiarizadas com BIM e utilizavam a tecnologia nos seus projetos, comparado com apenas 13% em 2011. Esta evolução dramática demonstra como uma década pode transformar completamente um sector.

A adoção global tem sido impulsionada por fatores específicos. Com a urbanização a atingir novos patamares e as cidades inteligentes a ganharem impulso, países em todo o mundo começaram a prestar mais atenção à sua adoção.

Enquanto isso, na Europa, a digitalização no sector da construção está a ser adotada de forma lenta, mas constante, com a adoção de BIM entre arquitetos europeus a continuar a crescer, embora a um ritmo mais baixo.

Senão vejamos o caso da China onde Shangai já possui um Virtual Twin (Gêmeo Digital) onde todos os edifícios podem ser analisados e as ruas possuem indicadores de transito em tempo real. As possibilidades que tal nível de tecnologia nos permite perceber e interagir é digno de Ficção Científica.

Regulamentação: O Esforço de Portugal vs Referências Mundiais

Em Portugal, o Decreto-Lei n.º 10/2024 simplifica o licenciamento urbanístico e acelera a digitalização da construção através do BIM, representando um marco importante na nossa jornada digital.

Este decreto insere-se numa estratégia mais ampla de modernização administrativa, mas quando comparamos com outros países, o hiato torna-se evidente. Enquanto Singapura processa aprovações automáticas através de plataformas digitais há anos, e outros países nórdicos implementaram mandatos governamentais robustos, Portugal está agora a dar os primeiros passos estruturados, ainda sem sinais evidentes de que a plataforma única de admissão de projetos fique disponibilizada a tempo de cumprir com a obrigatoriedade geral de adoção BIM em Portugal.


Para alguém que pertence a uma equipa que trabalha para todo o território nacional, este tipo de plataforma retiraria um conjunto dores a cada início de projeto, o que se traduz diretamente em equilíbrio emocional para conseguirmos dedicar tempo ao que realmente importa, o projeto.

O trabalho da Comissão Técnica 197 na normalização de sistemas de classificação e modelação BIM é reconhecido, mas a realidade é que estamos numa fase de recuperação face aos líderes mundiais e a pressão aumenta a cada dia que passa.

 

A Realidade dos Privados: Entre Pioneiros e Resistentes

Na minha experiência com o sector, observo uma dicotomia interessante. Escritórios pioneiros que abraçaram a metodologia BIM relatam melhorias significativas na colaboração multidisciplinar e maior precisão nos projetos. Paralelamente, persiste uma resistência cultural considerável, frequentemente justificada por preocupações com custos de implementação.

Embora se perceba a resistência, a mesma parece ser contraproducente. A transformação observada no Reino Unido, onde em apenas uma década se passou de 13% para 73% de adoção, demonstra que a mudança, quando acontece, pode ser rápida e abrangente.

O custo de oportunidade de não adotar torna-se cada vez mais evidente. Cada projeto entregue sem BIM representa uma oportunidade perdida de otimização, uma lição não aprendida, um passo atrás na curva de aprendizagem necessária para competir globalmente.

 

A Revolução Silenciosa: Desafios que Estão a Ser Resolvidos

A indústria global tem vindo a resolver problemas que durante décadas considerámos “normais”: deteção automática de conflitos, simulação temporal e de custos integrada, gestão do ciclo de vida de ativos.

Uma tendência particularmente relevante para Portugal é a democratização do acesso através de soluções open source. Eliminando as barreiras tradicionais de custo do software proprietário, estas soluções permitem que pequenos escritórios experimentem BIM sem investimentos proibitivos. As software houses que atuam no mercado já disponibilizam ferramentas a preços competitivos e extremamente eficazes, acontece que nem todas possuem os mesmos mecanismos de marketing e como tal nem sempre se torna evidente ao comum utilizador que existem alternativas e soluções acessíveis.

Está amplamente difundida a utilização de ferramentas BIM no que toca à modelação e controlo de informação do modelo. Contudo, temos de dar os próximos passos na adoção da simulação 4D, que permite integrar a dimensão temporal no planeamento, a modelação 5D, que incorpora custos em tempo real, revolucionando a gestão orçamental, o controlo 6D, onde as gestões dos inputs sustentáveis são ponderadas, e a gestão operacional do edificado, por forma a conseguirmos seguir a gestão de edifício até ao fim de vida útil. Estas capacidades não são ficção científica – são realidades implementadas diariamente em projetos internacionais. Por cá este tipo de tecnologia é possível de ser implementada de forma transversal, mas segundo parece, apenas as grandes construtoras e outros players isolados reconheceram as mais valias desse investimento.

O Barroco Digital que Podemos Construir

Tal como o Barroco floresceu em Portugal com características próprias, adaptando-se ao contexto nacional sem perder a sua essência, também o BIM pode encontrar em Portugal um terreno fértil para inovação, desde que abandonemos a postura meramente reativa.

Portugal reúne condições excecionais para dar este salto: profissionais qualificados, empresas com experiência internacional consolidada, e agora um enquadramento regulamentar emergente. Falta-nos perceber a urgência que a cada dia que passa é uma oportunidade perdida para abraçar o desafio.

A metodologia BIM transcende software ou compliance regulamentar. Trata-se de reimaginar como construímos, como colaboramos, como estruturamos projetos desde o programa base até ao fim de vida útil. É sobre transformar dados em decisões informadas e eficiência operacional em vantagem competitiva sustentável.

Com previsões de crescimento na ordem dos 16,33% anuais no mercado global, a questão não é se vamos adotar BIM – os mandatos e a pressão competitiva garantem que vamos. A questão fundamental é se vamos liderar esta transformação ou ser arrastados por ela.

Qual tem sido a vossa experiência com BIM?
Que barreiras identificam nas vossas organizações?
É tempo de construirmos este futuro em conjunto.

Fontes

  • Building and Construction Authority, Singapore. CORENET X Platform
  • NBS (National Building Specification), Reino Unido. BIM Report 2020
  • PlanRadar. (2023). BIM adoption in Europe: 7 countries compared. Disponível em: https://www.planradar.com/gb/bim-adoption-in-europe/
  • Pinnacle Infotech. (2025). Global BIM Adoption in 2025 and Beyond. Disponível em: https://pinnacleinfotech.com/global-bim-adoption/
  • República Portuguesa. (2024). Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro. Diário da República. Disponível em: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/decreto-lei/10-2024-836222484
  • Visit Portugal. Discovering the baroque in Portugal. Disponível em: https://www.visitportugal.com/en/content/discovering-the-baroque-in-portugal